segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

HUMOR 6 - A despedida do trema ¨


Por Lucas Nascimento da Silva em seu blog

Estou indo embora. Não há mais lugar para mim.

Eu sou o trema.

Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüenta anos. Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos!

Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!

O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio… A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. O dois-pontos disse que eu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé. Até o Cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cagão que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões. Será que se deixar um topete moicano posso me passar por aspas?

A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K, o W. “Kkk” pra cá, “www” pra lá. Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que, aliás, deveria se chamar TÜITER.

Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou “tremendo” de medo.

Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o Alemão, lá eles adoram os tremas.

E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar.

Nos vemos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história.

Adeus..

Trema¨

CURIOSIDADES 3 - Por que escrevemos ‘muito’ e falamos ‘muinto’


Do blog Sobre Palavras de Sérgio Rodrigues - Categoria 'Consultório' - Revista Veja

“Desde criança tenho dificuldades com a palavra ‘muito’. O som (a fonética) não corresponde à escrita na minha percepção. Para compreender a palavra, quando era criança, adicionava o N (apenas na imaginação!). Você teria alguma observação para esclarecer a minha dificuldade em particular?” (Adriana Lima)

A percepção de Adriana pode parecer cisma de criança, mas é um dos mistérios persistentes da gramática histórica de nossa língua. “Está à espera de solução o obscuro problema das vogais que se nasalaram sem terem após si n ou m”, escreveu o gramático Said Ali, o primeiro estudioso brasileiro a usar uma abordagem linguística de bases científicas.

Ou seja: para entender por que “muito” ganhou a pronúncia muinto, seria preciso explicar também por que o assi do português antigo virou “assim”, o mai virou “mãe” e o mia, “minha”.

Ainda assim, o caso de “muito” tem traços peculiares. Para começar, a palavra nunca teve a pronúncia nasal indicada graficamente por meio de til ou de qualquer outra forma. Said Ali anota ainda que, destoando dos casos acima, sua vogal tônica ainda não era nasal no tempo (século 16) do poeta Luís de Camões, considerado o pai do português moderno. Escreve ele que “o cantor d’Os Lusíadas ainda podia dar-lhe para rima fruito e enxuito”.

Uma explicação provável para a pronúncia muinto é que o m, embora vindo antes e não depois das vogais, tenha exercido uma influência de nasalização, como também em “mãe” e “minha”.

De qualquer forma, o melhor que Adriana pode fazer nesse caso é relaxar e entender que as relações entre pronúncia e grafia nem sempre são muito cartesianas. Se fossem, não poderíamos, por exemplo, escrever “fizeram” e falar fizérão.