segunda-feira, 14 de março de 2011

TIRA-DÚVIDAS 2 - Ele não é o mesmo


Aqui mais uma dúvida, muito pertinente, do amigo querido e parceiro Fernando Andrade, do Pessoas e Tecnologia.

Oi, Maisa

Sabe que sou fã de seu blog sobre o português? Gosto muito deste assunto, gosto muito dos textos que você coloca lá.

Sempre tive uma dúvida, ela apareceu novamente lendo o blog. No texto de um professor aparece a frase “Inicialmente é necessário estabelecer que até agora não pensara realmente em escrever este artigo. A materialização DO MESMO deve-se ao acaso”. Acredito que este “do mesmo” não esteja errado, mas ele me parece talvez um vício de linguagem. Será que a frase “Sua materialização deve-se ao acaso” não seria uma alternativa mais limpa, de melhor compreensão?

Insisto muito para as pessoas não usarem este “MESMO” nos e-mails, mas agora que o vi em seu blog, fico preocupado em fazer novamente esta recomendação.

Estou exagerando, vamos deixar estes “MESMOS” ou as frases ficam melhor sem eles?

Um beijo,

Fernando Andrade
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Olá, Fernando. Que bom receber o carinho dos amigos. Vamos à sua dúvida?

Ao que parece, você tem toda razão. Embora o uso das expressões o(a) mesmo(a) e os(as) mesmos(as) nesse caso não esteja gramaticalmente incorreto, o seu uso é considerado deselegante e pode demonstrar ignorância da língua ou do uso de pronomes.

Tudo indica que o vício surgiu nos meios jurídicos e policiais, onde o recurso é muito utilizado, mas também muito criticado por vários advogados.

Vamos ver o que diz a Profa. Maria Teresa Piacentini



Embora possa ser relativamente comum em outros idiomas, no português do Brasil o uso de “o mesmo” no lugar de nomes e pronomes é considerado indevido e até inconveniente. A palavra MESMO pertence a diversas categorias gramaticais e seu emprego é absolutamente correto nas seguintes situações:

A. Como adjetivo/pronome (portanto variável), com o sentido de ‘exato, idêntico! , tal qual, próprio, em pessoa':
  1. Foi pelo mesmo caminho.
  2. Sou sempre a mesma pessoa.
  3. Eles mesmos redigiram o discurso.
B. Como advérbio (portanto invariável), com o significado de ‘justamente, até, ainda, realmente':
  1. É lá mesmo que vendem o produto.
  2. Estes remédios são mesmo eficazes.
  3. Há mesmo necessidade disso?
C. Como conjunção concessiva, equivalente a ‘embora, apesar de':
  1. Mesmo diante de tais alegações em sede de reconvenção e contestação, o apelado quedou-se silente, reforçando ainda mais a veracidade delas.
  2. Sendo assim, mesmo inexistente a cláusula resolutória, com o inadimplemento do outro contratante a parte lesada pode requerer a resolução do acordo.
D. Como substantivo (expressão invariável, no masculino), significando ‘a mesma coisa':
  1. Fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.
  2. Houve incidência de juros legais a partir da citação e correção monetária a contar do ajuizamento do pedido, o mesmo acontecendo em relação às despesas processuais e custas derradeiras.
O problema está em usar “o mesmo” no lugar dos pronomes pessoais, sejam do caso reto (ele/ela) ou do caso oblíquo (o/a, lhe). Isso indica pobreza de linguagem ou falta de familiaridade com os pronomes pessoais. Algumas vezes – imagino – a pessoa tem insegurança no trato com os pronomes, mas ao mesmo tempo quer evitar a repetição de um determinado substantivo, então coloca ‘o mesmo' (ou ‘ a mesma', se feminino) no seu lugar.

Observe que nos exemplos 1 e 2, acima, ‘mesmo' acompanha um substantivo – não o substitui. No exemplo 3 acompanha um pronome. Em 4, acompanha um advérbio. Em 5 e 6, um adjetivo. Em nenhum bom exemplo a palavra ‘mesmo' toma a vez do substantivo.

É mais uma questão de estilo do que de gramaticalidade. Digamos então que fica ruim, ou não convém, escrever da forma abaixo:
  • Deixou de constar a declaração do condutor do veículo pelo fato de o mesmo estar hospitalizado sem condições de prestá-la.
  • Registra o parecer técnico que Valente abandonou a esposa e filhos por diversas vezes, sendo que a mesma mudou-se de Estado.
  • Ontem vi meu ex-chefe e convidei o mesmo para um cafezinho.
  • Já que o secretário executivo esteve nos visitando, entregamos ao mesmo a documentação.
  • Busque as fichas no almoxarifado e verifique se as mesmas estão carimbadas.
  • Desejando rever o conteúdo jurídico do projeto, solicito seja o mesmo retirado de pauta.  
Em melhor português você diria assim:  
  • Deixou de constar a declaração do condutor do veículo pelo fato de ele estar hospitalizado sem condições de prestá-la.
  • Registra o parecer técnico que Valente abandonou a esposa e filhos por diversas vezes, sendo que ela mudou-se de Estado.
  • Ontem vi meu ex-chefe e o convidei para um cafezinho.
  • Já que o secretário executivo esteve nos visitando, entregamos a ele [ou entregamos-lhe] a documentação.
  • Busque as fichas no almoxarifado e verifique se [elas] estão carimbadas.
  • Desejando rever o projeto, solicitou seja [ele] retirado de pauta.

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Como você vê, Fernando, você estava certo!!! Parabéns! E obrigada por me dar a oportunidade de aprender algo novo, pois eu não tinha ideia dessa questão.

Em tempo, se quiser ler mais a respeito desse MESMO tema (sic), acesse também:
- o post de Rosângela Dória
- o post de David Fares

Abraço e volte sempre com suas dúvidas e comentários!

3 comentários:

  1. Excelente a observação do Fernando. E parabenizo a autora pela beleza de resposta. Eu também via esse termo "do mesmo" com maus olhos e agora ficou esclarecido, embora saibamos que, segundo os linguistas, falar errado não é errado, desde que se considerem as diferenças (social, meio, cultural), mas escrever corretamente é uma obrigação. Adorei o blog e os convido para me visitar (Ler e Aprender - maufesan.blogspot.com), será uma honra.

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  2. "Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar." :-) Mesmo é um fantasma que assombra o fosso do elevador. :-) Parabéns pelo blog!

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  3. Interessante abordagem no link a seguir reproduzido:

    http://www.filologia.org.br/revista/55/007.pdf

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